domingo, maio 01, 2011

Santo «Ramadão» em terras de Almeirim

Se me pedissem para reduzir tudo à essência, usando uma só palavra, teria de optar pelo vocábulo «magia».
É que houve magia.
Antes da magia, porém, fomos obrigados a madrugar como galinhas esfaimadas. A ferramenta do Google apontava para um trajecto de 3 horas de duração… embora tenha havido quem percorresse a distância em menos de duas! Nós, não. Nós, o General, eu e o Miguel, que fomos do Porto até Almeirim em amena cavaqueira. Dizia-nos o Miguel que «o circuito é fantástico… com a pista seca!» Sem sabermos o que esperar (apesar das terríveis previsões para o fim-de-semana), o percurso até ao Sul foi-nos brindando com sol, pingos, chuviscos, ou trombas de água… Era imprevisível!
Cheios de adrenalina a correr-nos nas veias, a viagem de ida acabou por não demorar assim tanto. Em cerca de duas horas e meia aportávamos no Kartódromo da Quinta da Conceição. E se exceptuarmos a incessante música brasileira, que jorrava das enormes colunas colocadas em pleno escaparate do pódio, tudo parecia correr às mil maravilhas – nada de pressas, tempo estável e seco, espíritos animados, primeiros debates sobre estratégias e ambições. Termos discutido parte destes assuntos com os pés, ou mesmo sentados, nas escadas de madeira do pódio talvez tenha significado o empurrão decisivo para o que viria a acontecer!
Os únicos pilotos que já tinham rodado em Almeirim eram o Ramada e o Miguel, e ambos davam excelentes referências ao encadeado do traçado e às suas nuances variadas – travagens fortes, zonas sinuosas, uma recta enorme, e secções rápidas. Depois de pesados os quatro obesos da equipa, e terminada a volta de reconhecimento, dada a pé, diria que todos queriam que a prova começasse o mais depressa possível… O resto não passava e conversa.
No entanto, havia ainda quem estivesse em calças de ganga (eu incluído!) e o briefing com os chefes de equipa demoraria mais 25 minutos. Portanto, esperar surgia como palavra de ordem. Estando o kartódromo equipa com rede “wireless”, as equipas aproveitaram para, além de dar um saltinho à net, colocar em funcionamento os sistemas de controlo dos tempos e das classificações, directamente ligados à torre de controlo, sem dúvida um grande avanço tecnológico!
Definida então a ordem de entrada nos treinos cronometrados, chegava a hora de tirarmos o pó das luvas e de ficarmos a conhecer os cantos à casa, lá dentro, onde tudo tem mais cor. As primeiras impressões foram positivas, quanto ao traçado, e menos elogiosas quanto ao kart número «17», embora a frota parecesse bastante equilibrada. Com tempos muito próximos entre os pilotos, foi com naturalidade que o Miguel rodou 3 a 4 décimos mais rápido do que os estreantes, e o Ramada rubricou a melhor volta da equipa, 2 a 3 décimos mais veloz do que o Miguel. Começava nos treinos a ser lançado o cognome do Ramada, epíteto que o acompanharia durante todo o dia, e que viria a ser «o Trunfo».
Findos os 60 minutos de treinos cronometrados, a equipa NKOK registava um razoável 10º lugar, entre as 20 equipas participantes. Não era brilhante, mas assegurava um lugar confortável na grelha de partida. E como quem correria em direcção ao kart dava pelo nome de… Ramada, ninguém se mostrava preocupado! Para mais, doze horas de prova é muito corrida… e nós sabíamos disso. Estávamos tranquilos e já apontávamos o “Top-5” como grande objectivo final.
Tendo realizado os treinos com a pista totalmente seca, e sem aparentes ameaças de chuva, a largada foi dada à «Le Mans», pilotos de um lado, máquinas do outro, correrias desenfreadas e pés a calcar o acelerador ainda antes de os pilotos estarem sentados nos karts. Quando passou diante de nós (na zona reservada às equipas), o NKOK já era nono. Nas duas voltas seguintes, tínhamos recuperado mais 2 ou 3 posições, com um Ramada em grande estilo a atacar de faca nos dentes. Como ele próprio nos dissera, antes da largada, «isto é sempre em turnos de sprint!» É aquando da entrada para a 4ª volta, que o «não aguardado» momento acontece: a primeira chuva diluviana abate-se sobre Almeirim. Mesmo sem fato de chuva vestido, começámos a ver o nosso «Trunfo» a galgar lugares como quem trepa uma escada, uns atrás dos outros, sem contemplações, até sermos líderes! Em menos de 20 voltas, o Ramada passava de 10º para a liderança da prova, e convém não esquecer que estavam presentes alguns dos mais notáveis pilotos do karting amador português.
E foi assim que nos mantivemos, até à primeira troca de pilotos. Daí em diante, passámos a ter meros mortais a conduzir o «17», e as mudanças de pilotos começaram a roubar-nos segundos preciosos. Ainda assim, rubricando prestações muito consistentes, as diferenças para os primeiros seguiam curtas, havendo um conjunto de 8 ou 10 equipas que, à segunda hora de corrida, continuavam na volta dos líderes.
Depois do dilúvio que apanhou o Ramada, logo no início, a pista foi secando de forma progressiva, embora com chuviscos ocasionais. O turno do Miguel foi mesmo realizado com grande parte do traçado seco.
Breve referência para o primeiro turno do General, «aguadeiro» por natureza, e a rezar para que chovesse. Dito e feito: apanhou um dilúvio de dimensões bíblicas! A chuva que caía era tanta que, em plena recta da meta, os karts «travavam» ao passar pelos lençóis de água que se iam formando! Inaudito. Caso para dizer, contudo, que o General teve o que pediu…
Quem não teve o que pediu fui eu, que entrei a seguir, o último a completar a primeira fase de turnos. Quando entrei em pista (eu que tinha dado apenas 6 ou 7 voltas, nos treinos… como os restantes estreantes), estávamos nas duas horas e meia de corrida, e em 6º lugar, embora, como afirmei, com as equipas todas muito próximas. E esse primeiro turno foi… memorável! M-e-m-o-r-á-v-e-l.
Não gosto de andar em piso molhado porque, como costumo dizer, «ainda tenho menos jeito». Acontece que… algo aconteceu! A adaptação foi imediata, fácil, e estranhamente eficaz. Apesar de ter passado numa enorme poça de água, na primeiríssima curva após a saída das boxes, ficando literalmente encharcado do tronco para baixo, esse deverá mesmo ter sido o mote perfeito para o «agora nada de pior pode suceder-me!» Obtive a minha confirmação quando percebi que estava mais rápido do que muitos dos pilotos que, como eu, se travavam de razões com os karts, e mais ainda quando vi o Paulinho, do lado de dentro das boxes, de polegares estendidos, e um sorriso rasgado na boca! Liiindo! Para dentro do capacete, gritei: «como é que isto é possível?!»
Só que o que é bom não é feito para durar para sempre… e foi logo a seguir que, na direita de acesso ao muro das boxes, fico sem direcção… indo quase parar à relva. Após uma rápida aferição ao kart, percebi que se tratava de um problema na roda dianteira do lado direito, completamente solta – rolamento partido, vim a saber. Passei, incrédulo perante o azar, pela frente dos meus fiéis companheiros, a passo de tartaruga, e lá levei o «17», titubeante, até à zona de serviço, que ficava no lado oposto da pista. Começava aí a perda de tempo, dado que tive de efectuar a pista praticamente toda. Entrei no espaço da assistência e quedei-me, à espera, sem acreditar no que se abatia sobre mim e sobre nós, NKOK. A chuva continuava inclemente, como se não bastasse o tempo que perderíamos para os primeiros… É que, quando a roda se solta, íamos em TERCEIRO lugar!
Cerca de 4 minutos volvidos, o «17» entra em pista e a grande luta tem o seu verdadeiro início. Termino o turno com a mesma consistência – e com um pneu novinho do lado direito –, e passo o volante ao seguinte. Recebo galhardetes que me deixam enlevado e orgulhoso, e sou informado que havíamos descido até ao 11º posto. Estava na hora de cerrar os dentes e fazer a «remontada»!
Sinopse da «Grande Batalha», por piloto:
• Boss: apesar de dizer que «não é tão talhado para as resistências», esteve, as usual, impecável; nem parecia a primeira vez em Almeirim; turnos sem mácula, numa consistência que chega a ferir susceptibilidades (!), disponível dentro e fora da pista, compenetrado, presente; sem o Boss, não tem o mesmo brilho.
• Amazing: gostei de o ver, pela minha primeira vez, chateado com o desenrolar dos acontecimentos e insatisfeito com os seus dois turnos iniciais; contudo, como seria de esperar, esteve a um nível elevadíssimo nos demais, e, sobretudo, no derradeiro (quinto turno), quando fazíamos o pressing final para segurarmos o pódio; gostei da atitude e da perseverança, além de ter estado sempre disponível e a mostrar tempos; grande, Paulinho!
• Martin: sem falhas; rápido, consistente, corajoso; pé sempre a fundo; entrou em Almeirim a detestar o piso molhado e saiu a adorar o circuito, à chuva! Isso diz tudo; foi sempre para dentro de pista com o fito de «arriscar» ao máximo; muito bom, um piloto que o NKOK deve reter.
• General: turnos muito complicados, talvez os piores: o primeiro, regado a catadupas de água, e o quarto com uma pista que parecia autêntico gelo (eu que o diga!); foi subindo de rendimento e também esteve sempre presente; como o Boss, prova sem ele não é prova; cometeu um ligeiríssimo erro, no último turno, quando tentava pressionar o trio da frente, mas recuperou a confiança e acabou-o «on fire», numa altura em que a pista começava já a secar (perto da meia-noite).
• Ramada, o «Trunfo»: recordações e imagens inesquecíveis; pela pessoa que demonstrou ser, pelo piloto que é, não podemos deixar de o captar para o NKOK. Brilhante e unânime. Tão evidente a classe com que conduz, a subtileza, o movimento certeiro que desfere em cada ultrapassagem, o modo com o discute a travagem mais insignificante; fora de pista, incansável na transmissão de dicas e de motivação. E de coragem. Não esqueço a força e a confiança que depositou em mim, sem fazer ideia do meu «valor»! Também não esquecerei a resposta que me deu, aquando de uma «brincadeira» da minha parte, depois de ele ter dado um conselho a uma das equipas nossas rivais – fiz um comentário, como quem diz, «então andas a dar os trunfos aos opositores?», e a síntese peremptória do Ramada foi eloquente: «nada disso, não ia deixar de lhes dizer, são meus amigos acima de tudo». Palavras para quê?
De realçar que, como diria o Ramada, «acima de tudo» o que foi conseguido, a camaradagem entre todos foi notável. Sem nunca termos perdido a cabeça (e com exemplos tão negativos noutras boxes!), nem mesmo quando o Martin passou 5 voltas sem ver a placa «IN», ofuscado pela ânsia de ganhar tempo aos primeiros (!!), essa foi a grande arma da equipa: coesão e objectivos partilhados entre todos. Sem egoísmos, eram sempre os que estavam de fora que iam puxando por quem pilotava. E, mesmo nas boxes, a motivação que cada um transmitia aos restantes foi sendo evidente.
Parabéns aos brilhantes Pedro Ramada, Alex Gonçalves, Miguel Martin, Paulo Ribeiro e Gonçalo Abreu! Enormes. Especial agradecimento à namorada do Pedro (cujo nome se esvaiu da minha memória), pela sua incansável ajuda e apoio. O NKOK elevou o seu nome bem alto!
O cansaço final foi tão acentuado que houve até quem tenha seguido pela A2, em direcção ao Algarve…! Àquela hora da madruga, com a taça, o champanhe, e as garrafinhas de vinho «da região» nas mãos, o Norte parecia tão longe… mas TÃO GRANDE.
Mesmo grande.

Prova: 12 horas de resistência
Local: Almeirim (Kartódromo Quinta da Conceição)
Equipa: NKOK
Pilotos: Paulo Ribeiro, Miguel Martin, Pedro Ramada, Alex Gonçalves, Gonçalo Abreu, Gustavo Simões
Grelha de partida: 10º lugar
Classificação Final: 3º lugar





A «dupla» maravilha



«In persuit»


«El General»


Boss pelas ruas de Almeirim



10 reacções:

General disse...

E que "Ramadão"... sem jejum!!!

Boss disse...

Excelente prova!! Seco, chuva, chuva, meio molhado, chuva,quase seco, chuva, molhado e mais molhado.
Desde que sai de casa até chegar foram mais de 22 horas.
Mesmo sendo das poucas equipas com ida à oficina o ritmo forte e consistente permitiu um lugar no podium.

Boss disse...

LINDO!! Depois de uma corrida fantástica, somos brindados com mais uma crónica...magnifica!!! É verdade, eu e o Paulinho ainda fizemos mais uma série de Km...em direcção ao Allgarve :-P

Boss disse...

O Ramada já está confrimado para Viana. O NKOK ganha mais uma referência dentro e fora de pista.

General - homem que não gosta assim tanto da chuva disse...

LOL!!! É verdade... o Algarve... que moca!

Foi das resistências com a boxe "à antiga"... grande entreajuda! Excelente grupo!

E não nos podemos esquecer da namorada do Ramada... sempre a incentivar!

Muito bom, Muito bom!

General disse...

Faltava... "não gosta assim tanto da chuva".

Que dilúvio... :)

Guto disse...

Foste tu que a pediste!! Ehehe... Lembro-me de serem 7 da manhã e ouvir-te dizer... "maravilha, vamos ter chuva!!" :D:D

Toma!

Guto disse...

Quanto ao Ramada, esperemos que seja para continuar!

Boss disse...

Já te ouvi inumeras vezes a pedir chuva. Desta tiveste chuva QB!! :-)

Guto disse...

QB, mesmo!! :D